Os Pardais
Hoje vou falar-vos do mais simples dos meus amigos penudos - os pardais!
Eu chamo-lhes Bicudos!

Um dos meus amigos bicudos, na Vela Latina
Que poderei eu ter para vos dizer sobre os pardais, perguntarão todos vós? Tanta coisa!
Gosto de estar sentado no carro e observar os pardais, em volta e, de vez em quando, a espreitarem-me a ver se eu estou a ficar chateado ou se estou a gostar das suas brincadeiras.
Deixo aqui estes belos pardais (sparrows) que cantando parecem chorar pelo Canadá. Será que choram ou que cantam?
Gosto de estar sentado na esplanada da Vela Latina, em Belém, a observar os pardais a pedirem-me autorização para se instalarem na minha mesa a petiscar as migalhinhas que sobram ou que nós, propositadamente, compramos para eles. Gosto de ver a azáfama dos filhotes a competirem pelo eventual manjar com que os papás os irão presentear e o seu chamamento pedindo a comparência dos papás e, se possível, com o bico bem recheado.
Recordo-me desses meus amigos por Adrão e, especialmente, da pedrada com que acertei na cabeça de um, quando ia a caminho do Lume da Leira. Estava neve nas lavouras e, à minha aproximação, um bando de pardais levantaram voo num silvado e eu, com uma pedra na mão, enviei-a para a sua frente, tendo um desgraçado levado a pedrada mesmo na cabeça mas, aproveitou a embalagem do voo e foi atordoado pousar, lá longe, no meio de uma lavoura, numa daquelas reentrâncias que havia servido de rego para regar o milho e as ervas. Contei os regatos e lá fui dar com ele, aflito, no meio da neve branquinha.
Peguei-o e comecei a fazer-lhe festinhas na cabeça mas ele não gostou e tentou uma fuga sem sucesso. Na ânsia de não o deixar fugir, fiquei-lhe com as penas do rabo todas na mão. Ele, sem leme, caiu logo mais à frente e voltei a apanhá-lo. Voltei para trás, fui a correr levá-lo para um buraco da corte onde lhe fiz um ninho com feno das vacas e lá ficou sossegadinho. Eu estava chateado porque o pardal tinha uma manchinha de sangue num olho, o esquerdo que levou a pedrada.

Outro amigo bicudo que caminha nas mesas do Ventor
Fui buscar as vacas e, depois de arrumadas, levei pão de milho ao pardal que comeu. Era uma noite de baile e eu passei parte da noite entre o baile e a corte, para ver se o pardal ainda não tinha fugido porque as vacas podiam pisá-lo.
De manhã lá ficou. Levei as vacas e quando cheguei fui-lhe levar pão. Depois quis soltá-lo mas, sem rabo, não sabia que lhe fazer. Se soubesse, então, o que sei hoje, tinha ficado com um belo pardal!
Perguntei à tia Bondeira que achava que devia fazer ao pardal e ela olhou-me e disse: "não lhe devias ter mandado a pedrada"! Pois não, ainda penso eu, tantos anos depois e ainda hoje estou arrependido. Soltei o pardal sobre a latada do Cabo do Eido para os gatos não o apanharem e, durante muitos dias, ele andava por ali à míngua do pão que eu lhe dava. Ele ia até à figueira da tia Bondeira comer o pão. Com o tempo, mais bem treinado, com as peninhas do rabo a espigarem, começou a esvoaçar no meio dos outros e acabou por ser absorvido por eles, aos quais ensinou a ir ao pão e deixei de o conhecer. Por fim, vim para Lisboa conhecer outros pardais que nunca mais encontraram uma pedra minha nos seus trajectos.

Uma amiga bicudinha que adora as migalhas do que o Ventor compra para eles
Mas conheci outros pardais!
Um dia entrei numa tasca, aqui ao lado, para comprar uma garrafa de qualquer coisa e, quando eu entrei a porta, passou junto à minha cabeça, um pardal. «Saiu daqui um pardal, viu-o»? Responde-me o dono da tasca: "esse é o meu melhor cliente. Entra, pede-me pão, come e parte"! Era uma beleza aquele passarinho. Ele entrava por entre os clientes, comia e saia, porta fora. A vida dele era quase só entre a tasca e o quintal em frente, mais as oliveiras dos campos, ao lado. Um dia, alguns anos depois, saiu e não voltou mais!
Mas, vou falar-vos do mais famoso dos pardais - o meu amigo Bicudo!

Este podia ser o meu amigo Bicudo. Aquele que adorava esfregar-se num guardanapo de papel, sobre a mesa, ao lado do Ventor
O Bicudo foi um dos meus maiores amigos!
Um dia, num verão qualquer, o meu cunhado apanhou um pardalito no chão e trouxe-o para casa, para alimentar e soltar quando fosse adequado mas, no dia seguinte, ia partir de férias para o Algarve. Impingiu-me aquela coisinha ainda depenada, quase careca que mais me parecia um fantasma que um pássaro saído do ninho!
Dei de comer ao gajo com um pau de fósforo e, por fim, meteu-se debaixo do sofá e, enquanto conversava com o meu malmequer, eu caminhava na sala, para um lado e para o outro e, sua excelência, aquela coisinha quase nua, com meia dúzia de peninhas desarranjadas, imitava-me. Eu ia para um lado, ele por baixo do sofá, seguia os meus passos, eu voltava para o outro lado e ele lá seguia os meus passos e assim foi por diante. 15 dias depois, o Bicudinho estava quase um rapazola. Durou aquela coisinha, tal como esse de cima, 11 anos! Mas o mais engraçado é que ele era o meu guardião. Ninguém me podia tocar. O Bicudo atirava-se logo. Vinha da casa dele e, se a sala estivesse cheia de gente, era sempre sobre os meus ombros que ele pousava. Parecia que tinha GPS! Por fim, nas mesmas circunstâncias, teve uma companheira e vinham os dois ter comigo. Mas o rapazola é que escolhia o pouso que queria e se ela quisesse também esse lugar, era logo corrida à bicada e teria de arranjar outro. Uma vez lutavam os dois por um sítio único, na minha mão e teve de ser o Rafinho, o meu coelhinho anão, a correr com eles. Saltou, bateu três vezes com as patas no chão e parecia dizer aos pardais, que ele já conhecia muito bem, para não chatearem mais o Ventor.
Se o Ventor não gostasse tanto deles, Rafinho, eu já os tinha tratado á patada, mas não podemos. O melhor é não ligares porque o Ventor gosta de os ver brincar, tal como a nós - dizia o Quico, o meu gato.
Doutra vez, num sábado de manhã, quando ia-mos partir para o Algarve, um pardalito novo mas, já bem "vestidinho", caiu pelo arejador da casa de banho e gritava que se fartava. Desmontei aquilo e vi-me aflito para o tirar, pois só lhe chegava com o dedo do meio mas, ele terá percebido e eu lá consegui tirá-lo. Dei-lhe pão molhado e, depois de ter enchido o papo, soltei-o. Voou sobre a rua e ficou pousado sobre uma laranjeira, no quintal do outro lado, a rebolar-se todo, agradecendo-me.
O meu amiguinho de Massamá partiu mas só depois de se aperceber que, com o Ventor, a sua segurança era total
Há cerca de 2 anos, fomos a Massamá regar os vasos e lá estavam, em plena escuridão, um casal de pardais que tinham caído pela chaminé abaixo. Tiveram sorte porque eu entrei na sala às escuras e podia-os ter pisado. Mal puxei o estore, o bicudo macho parecia querer partir as vidraça para sair. Não faço ideia o tempo que lá estiveram sem água pois comer, comeram umas sementes que lá estavam numa taça. Agarrei o pardal, fiz-lhe uma festa e soltei-o para a rua. De seguida, sai debaixo do móvel dos whiskyes a fêmea, que se ia matando contra a metade do vidro. Tiveram sorte. Não fossem as flores e teriam morrido sem água.
Eu e os bicudos damos-nos sempre muito bem e espero que todos assim continuemos. Eles adoram-nos quando se apercebem que, os seus instintos só relativamente são verdadeiros e, também se aperceberão que, entre nós, há os bons e os maus.